domingo, 5 de dezembro de 2010

HOMENAGEM: CANÁRIO-DO-MAR , LUÍS SERGUILHA (PORTUGAL)*




Foto: O poeta Lúis Serguilha (Portugal)



CANÁRIO-DO-MAR




ao GENIAL guitarrista CARLOS PAREDES



O álcool das fábulas faz latejar a inesgotável glande do navio
onde as posses desvairadas das legiões tecem unicamente o regresso agrilhoado das baleias
coleccionadas pelas válvulas mitológicas do horizonte
aqui as redes pequeníssimas das cerejeiras mecânicas expulsam as insustentáveis sombras-alambiques
que ludibriam o fogo inspirador das gôndolas
Furtivamente os pássaros inebriados agasalham-se nas parelhas soníferas dos pomares
onde todos as equivalências das ondas se estilhaçam
como os esquadros sazonados dos pulmões a escorregarem nos projectos assimétricos das crisálidas solares
Os dedais dos astros devastam as armadilhas garatujadas nos figos rudimentares das congeminações
para exaltarem o segredo das raízes assobiadoras entre as lajes estonteantes do alagamento cinematográfico
e as mandíbulas frenéticas respiram o esmo tumefacto da labareda conduzida centralmente
pelas fisionomias aquáticas das guitarras
Os novelos persistentes das águas estreitam a invernia imaculada dos loucos relógios porque a rebentação da claridade dardeja
sossegadamente os favos-bailarinos da memória
O músico está solenemente encurvado na indefinível epopeia
ondulando numa submersão distinta como um ser etéreo na genealogia inquebrantável dum povo
e sobre uma quilha encrespada penteia a suntuosidade do espaço sonoro com o suor nómada da púrpura melancolia
que alinha a muralha reveladora da consciência aos regaços testamenteiros da essência incendiária
O nenúfar arrebatador do património é a generalização excêntrica dum labirinto cadenciado
é a transferência miraculada das indígenas composições
que enxertam as sequências melódicas dos espectros como se a alma fosse um tigre de esferas lucífugas e doces
Os ecos jazzísticos do cavaleiro nobre oferecem os pórticos constelados das borboletas
entre as crinas preciosas das atmosferas pulmonares
aqui os interstícios desatolados das heranças perseguem os sons rutilantes do sangue
que sucumbem felicíssimos nas invenções químicas da rebelde mestria
é neste berço incomparável de movimentos
que as senhas das gaivotas descortinam a insubordinação da música pura
As baladas da transmutação engolem igneamente as cordas transversais do poema
onde as falésias periféricas do coração missionário balanceiam
sobre os bandos acidentais do Tejo
As guitarras intermitentes das águas lançam os teares luminescentes no tropel inumerável das pulsações
que atravessam as biografias infusas das catedrais
que imaginam o esconderijo convulso das açucenas
na invocação cirúrgica do relâmpago
Os mantimentos rastejantes dos astros sobressaltam-se nas plainas guturais dos alpendres porque as ressonâncias dos peixes fotográficos levam o Infante do Mondego até aos astrolábios guerreiros dos pássaros
onde os cântaros das transparências desabrocham as estacas enxugadas dos mensageiros que removem os palatos fendidos dos exílios
O lirismo redemoinhante dos fósseis é conquistado inteiramente
à instabilidade das gargantas do firmamento
onde a reconstituição marítima é um percurso de vórtices devaneadores bordados interminavelmente
pelos zodíacos das populações indecomponíveis
Estes gestos perpétuos na explosão vertical do silêncio canhoneando os crepúsculos contemporâneos das transitórias artérias
como um grito de possibilidades sincopadas a espargir o espólio unívoco das alucinações
As maquilhagens leoninas das orquestras são acolchetadas na circuncisão do paladar dos naufrágios
genialmente inspiradores das descobertas tempestuosas das estrofes civilizacionais
Os sinos vitoriosos dos cafés entrechocam-se cheios de equilíbrios indescritíveis
para congeminarem a vulnerabilidade ática da geografia humana sobre os azulejos listrados das alfândegas
e as árvores imprevistas do coração são marinheiras polinizadas a embutirem as imolações azuis nas arcadas ignoradas do dilúvio
As labaredas clássicas das harpas acrescentam-se aos flecheiros protectores dos rios às hibernações rodopiantes das escarpas aos adubamentos bebedores das teclas solares ao balancé fragmentário das espécies da sede
e as antinomias dos ateliers atlânticos perfilam-se regularmente no guardador efémero das metamorfoses circulares
abotoadas precisamente
pelos odores imprecisos dos temporais cerâmicos
Os fogos organizadores do verbo arquitectam a individualidade das lembranças das trepadeiras
sobre o alimento sibilante das primaveras setentrionais
As flores desabaladas dos inomináveis cometas assemelham-se ao estendal bifurcado das polias anatómicas
que conciliam as maratonas lunares das luzes autoritárias
onde o corvo tacteador das hemisféricas papaias ornamenta as transposições das pálpebras perseguidas
pelos dédalos moleculares dos veneradores de ninfas
São os astros apocalípticos nas mãos estivadoras do guitarrista
é o termóstato estético das vitrines no relento da sedução das persianas ortográficas
como um remador solar no jacto teatral dos mediterrâneos-golfinhos
A ulterioridade das circunferências das tecedeiras o prolongamento da caligrafia dos astros
e os omoplatas descobridores do guitarrista estiram-se ritmados nas sendas dos chãs emigrantes
são as superfícies dos insectos decifradas nos dragoeiros minerais
são as velocidades das pranchas nos travos amontoados
sobre as invasões dos umbigos áulicos
e as tonalidades matinais do vocabulário esculpem-se inocentemente na imutabilidade das ilhargas invasoras
porque os penteados armazenados da tempestade desenrolaram a exiguidade murmurante das sandálias
na evaporação dos utensílios
Os pássaros de revestimentos encruzilhados os crocodilos de úteros rítmicos as borboletas cristalinas do guitarrista mergulham nos écrans indicadores dos vegetais atmosféricos
aconchegados distintamente
à sagacidade descomunal das pupilas que ministram as circulações dos anzóis filamentosos
no cromatismo acústico das intempéries
Numa pirueta de porções informáticas as sombras amadurecidas do trigo propagam-se
entre os espiráculos espontâneos da claridade
onde as projecções dos astros vindimam as reconstruções das cisternas solsticiais
e a verticalidade iniciática do guitarrista já é uma ramagem puramente inflamatória da visão universal
Um país migratório desadorna os sorvedouros dos búzios-pássaros
sobre os perseguidores dos últimos colos de setembro
aqui os sigilos dos lobos cumprem as ressonâncias irregulares do chão sacrificado
pelas incisões clandestinas do mento solar
As narrativas milenares das roldanas patenteiam o andamento altissonante das têmporas
onde a concepção dos luzeiros esteia inexplicavelmente
as bordaduras subterrâneas da madrugada até às combinações das pirâmides das águas proféticas
Cravos vermelhos na concavidade terrestre dos astros partilhados
Cravos vermelhos nas projecções do guitarrista oceânico
onde a difusão dos candeeiros encosta o cio dos barcos à única saída do xaile arquitectónico de dois longos corpos
Os músculos caudalosos da canção são amorosamente flagelados
pelos receptáculos dos gondoleiros e os círculos vigilantes do rio entreabrem-se enfraquecidos
para perderem as cúpulas heróicas do murmúrio
entre os saltadores orbiculares das visitações é o ritual uníssono das cartilagens madrugadoras é a estrutura das dinastias dos possíveis nenúfares a povoar de espirais o grito das cores é a civilização esculpida pela fuselagem esplendorosa dos nómadas
são os sulcos aromáticos dos astros vocabulares a convidarem as sílabas de miosótis
para o estrangulamento das cachoeiras
são os travesseiros bebedores de luzes na ciência da colheita gramatical
Há um guitarrista pioneiro nos hemisférios eólicos transbordando de abelheiras improvisadas
como a consolidação dos desfiladeiros amplificados pela prodigalidade das lâmpadas
como os cisnes obliquamente transformadores
dos auditórios-glaciares
A magia surda das criptas e os acenos das pérgulas resistiram à aprendizagem submarina das calamidades e à inclinação vertiginosa das raízes
para golpearem assiduamente o interior neutralizado das candeias
onde o colóquio tentacular do guitarrista se metamorfoseia no adágio altíssimo das travessias
A metalurgia desafiadora dos astros os presságios feiticeiros dos mares vertebrados e as conchas intermináveis do guitarrista acrescentam-se ao minucioso combate das bibliotecas órbitais
para embalarem as araduras das aves desarrimadas
que rodeiam os gritos derradeiros dos veadores obstinadamente aclimatizados
à movimentação caligráfica dos leões-marinhos
Os solstícios das pedrarias grunhem nos mapas das sementeiras purificadas
pelas hierarquias irreparáveis das planuras
que embranquecem as extremidades esquecidas dos golfos com os idiomas desabrochados da casas
As confluências das fogueiras são auxílios acantonados nas regenerações dos guardadores das vertigens
Os ourives nocturnos das marés abobadadas os ímans secretos dos astros
e as esporas fulgurantes do guitarrista suturam juntamente
as rotações das silhuetas dos visitantes
Os desaguadouros recíprocos das águias os solitários parágrafos dos mondadores e os antelóquios musicais das maças
aceram a infância heráldica das vinhas
As orações sazonais dos embarcadouros enclausuram as lendas ciclónicas dos navegadores
para dilatarem os delineamentos hesitantes das constelações
Os sinónimos árcticos dos veleiros-parábolas as coincidências dos periscópios das torrentes e os meteoros intemporais do guitarrista soldam demoradamente
a curvatura fértil do outono na fidelidade equestre da tempestade
Os caçadores de espelhos eternos emolduram a arqueologia das locomoções no desassossego da notabilidade nas ânforas póstumas dos aluviões
e na eremitagem rebelde do guitarrista onde o tear mutante do oceano restaura a verdadeira morada dos amantes









*LUÍS SERGUILHA nasceu em Vila Nova de Famalicão, Portugal. Poeta e ensaísta, suas obras são: O périplo do cacho (1998), O outro (1999), Lorosa´e - Boca de Sândalo (2001), O externo tatuado da visão (2002), O murmúrio livre do pássaro (2003), Embarcações (2004), A singradura do capinador (2005), Hangares do Vendaval (2007), As processionárias (2008), Roberto Piva e Francisco dos Santos: na sacralidade do deserto, na autofagia idiomática-pictórica, no êxtase místico e na violenta condição humana (2008), estes últimos em edições brasileiras. Recebeu em 2000 o Prêmio de Literatura Poeta Júlio Brandão. Participou em vários encontros internacionais de literatura e possui textos publicados em diversas revistas de literatura no Brasil, Espanha e em Portugal, além de outros trabalhos traduzidos em língua espanhola e catalão.

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