terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

HOMENAGEM: O POETA - EDUARDO WHITE ( MOÇAMBIQUE)




Foto: Eduardo White


O POETA


EDUARDO WHITE (MOÇAMBIQUE)



Um poeta que anda descalço, sobre a língua, tem muitos sonhos na cabeça e não tem cabeça nenhuma. Tem o céu, que é, por isso, estrelado, vinte quatro horas por dia e que azula sempre que aquele adormece. Vadio em si, o poeta é uma rua longa dentro do peito que não tem normalmente saída tal como ele. Empobrecido, o poeta escreve normalmente o que não lhe pagam para isso mas o que lhe pagam para ele continuar a sê-lo. Imagine-se um poeta que não tivesse dentro de si um homem com vencimento? Morreria, não de fome mas por falta de empregado assalariado que o ajudasse a exercê-lo.
O poeta tem lebres por entre os dedos quando escreve e curandeiros dentro da boca a fumar rapé e a tossir muito por de entre os versos. Geralmente amalucado, o poeta consulta não os seu falecidos mas os falecidos que são ele e que toda a gente vê e tenta matar uma segunda vez. Um poeta está literalmente nu se escreve e vestido quando ama. Desabotoada a nudez dos seus papéis o poeta é todo uma longa lapiseira a rebolar-se pela lisura da escrita ou, então, quando se veste, gosta da tontura da profunda escuridão onde mergulha.
O poeta não é um fingidor. Foi. E isso, há muito tempo. O poeta, agora, é um não fingidor a tentar mostrar que é muito mais sério do que parece. Não tendo verdades, nem terríveis nem altíssimas, o poeta é um vulto que está sempre a perguntar por onde é que andam os outros. Mais fingidores que o fingidor que lhe atribuem, menos clarividentes que o tonto com que o rotulam. O poeta não é um chato. O poeta é um chato nos chatos dos outros. Um chato que se chateia com a chatice dos chatos que têm chatos onde o poeta é chato.
Um poeta não é para se perceber, é para sentir-se. Por essa razão tem muita gente que não entende um poeta, nem a razão porque anda nas nuvens, nem a razão porque está sempre enuvoado, nem a certeza das suas luas nem a estranheza de ser aluado. Alguém perceberá porque usará um poeta, óculos escuros à noite? Por certeza que não. É que o poeta gosta de se bronzear a essa hora, porque a mudez é um segredo e os banhistas são muito mais verdadeiros no sol onde se situam. O poeta, ao contrário dos outros, por essa altura, pode até pôr um chapéu e uma gabardina que o proteja do calor do sol. É que o poeta não tem razão de suar, tem a razão como sua.
Um poeta pode ver numa formiga um leão e fugir apavoradamente dele. Chamar-lhe-ão, por esse facto, de delirante ou de um louco escrevinhador. O que não sabem os que assim agem é que não foge o poeta da grandeza do leão mas da pequenez da formiga. Sendo pequeno, um verdadeiro poeta, e tendo disso consciência, como poderia ele não assustar-se com a minusculidade dos que lhe chamam louco ou de delirante? Um poeta é um libertador, não de causas, mas de firmezas. É um soldado a devastar a estratégia dos libertadores. E isto só porque ele sabe, que as mesmas prisões do escravizador são as mesmas do acorrentador. Um poeta é um silêncio que é um comovido gritador. É uma existência que embora não cante vive apenas do seu cantor.
Por isso, os poetas são poucos, muito poucos, muito embora hajam muitos que se percebam poetas. É que embora a poesia seja um movimento encantador é uma espécie de movimento que no poeta é só dor. E sendo assim, silêncio dentro do texto, silêncio, um poeta não é uma espécie de estratagema, é uma espécie que odeia os estratagemas, não dos textos mas dos que encontram nele as razões dos seus pretextos.
Ora, deste modo, se reafirma: o poeta não é um fingidor, é uma dor que finge não ser poeta. E não é isso encantador?





*EDUARDO COSTLEY WHITE: nasceu em Quelimane (Moçambique), a 21 de Novembro de 1963. É um dos mais criativo poeta e escritor em língua portuguesa. Possui inúmeros livros publicados. Lançou recentemente 'NUDOS', Antologia Poética,em Lisboa (Portugal), no mítico «O Botequim»( às 19h da 3ª-feira: 01.02.2011), sítuado no Largo da Graça.